domingo, 15 de junho de 2008

Sobre a perda de jurisdição dos hereges


CUM EX APOSTOLATUS OFFICIO
PAULO IV

Bula sobre a perda de jurisdição dos hereges e dos cismáticos. De 15 de fevereiro de 1.559.

EXÓRDIO

O Papa tem o dever de impedir o magistério do erro.
Dado que por nosso Ofício Apostólico, divinamente confiado a Nós, ainda que sem mérito algum de nossa parte, Nos compete um cuidado sem limites do rebanho do Senhor; e consequentemente, a maneira de Pastor que vela, em benefício de sua grei e de sua salutar condução, estamos obrigados a uma assídua vigilância e a procurar com particular atenção que sejam excluídos do rebanho de Cristo aqueles que em nossos tempos, seja já pelo número predominante de seus pecados ou por confiar com excessiva liberalidade em sua própria capacidade, se levantam contra a disciplina e a verdadeira Fé de um modo realmente perverso, e transtornam com malévolos recursos e totalmente inadequados a compreensão das Sagradas Escrituras, com o propósito de atingir a unidade da Igreja Católica e a túnica inconsútil do Senhor, e para que não prossigam no ensino do erro, os que desprezam ser discípulos da Verdade.
Quanto mais alto está o desviado de Fé, mais grave é o perigo.
Considerando a gravidade particular desta situação e seus perigos a ponto que o mesmo Romano Pontífice, que como Vigário de Deus e de Nosso Senhor tem o pleno poder na terra, e a todos julga e não pode ser julgado por ninguém, se fosse encontrado desviado da Fé, poderia ser acusado e dado que donde surge um perigo maior, ali mais decidida deve ser a providência para impedir que falsos profetas e outras pessoas que detenham jurisdições seculares não tenham lamentáveis laços com as almas simples e arrastem consigo para a perdição inumeráveis povos confiados a seu cuidado e a seu governo nas coisas espirituais ou nas temporais; e para que não aconteça algum dia que vejamos no Lugar Santo a abominação da desolação, predita pelo profeta Daniel; com a ajuda de Deus para Nosso empenho pastoral, não seja que pareçamos cães mudos, nem mercenários, ou amaldiçoados maus vinicultores, queremos capturar as raposas que tentam desolar a Vinha do Senhor e rechaçar os lobos para longe do rebanho.
Confirmação de toda providencia anterior contra todos os desviados.
Depois de madura deliberação com os Cardeais da Santa Igreja Romana, nossos irmãos, com o conselho e o unânime assentimento de todos eles, com Nossa Autoridade Apostólica, aprovamos e renovamos todas e cada uma das sentenças, censuras e castigos de excomunhão, suspensão, interdição e privação, e outras, de qualquer modo adotadas e promulgadas contra os hereges e cismáticos, pelos Pontífices Romanos, nossos Predecessores, ou em nome deles, incluso as disposições informais, dos Santos Concílios admitidos pela Igreja, os decretos e estatutos dos Santos Padres, os Cânones Sagrados, ou por Constituições e Resoluções Apostólicas. E queremos e decretamos que ditas sentenças, censuras e castigos, sejam observadas perpetuamente e seja restituída a sua total vigência se estiveram em desuso, e devem permanecer com todo seu vigor. E queremos e decretamos que todos aqueles que até agora tenham sido encontrados, ou tenham confessado, ou sejam convictos de terem-se desviado da Fé Católica, ou de haverem incorrido em alguma heresia ou cisma, ou de terem suscitado ou cometido; ou bem os que no futuro se apartarem da Fé (o que Deus se digne impedir segundo sua clemência e sua bondade para com todos), ou incorrerem em heresia, ou cisma, ou os suscitarem ou cometerem; ou bem os que houverem de ser surpreendidos de ter caído, incorrido, suscitado ou cometido, ou o confessarem, ou o admitirem, de qualquer grau, condição e preeminência, inclusive Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; ou bem Cardeais, ou Legados perpétuos ou temporais da Sé Apostólica, com qualquer destino; ou os que sobressaiam por qualquer autoridade ou dignidade temporal, de conde, barão, marquês, duque, rei, imperador, enfim queremos e decretamos que qualquer um deles incorram nas sobreditas sentenças, censuras e castigos.
Privação ipso facto de todo oficio eclesiástico por heresia ou cisma.
Considerando que os que não se abstém de fazer mal por amor da virtude devem ser reprimidos por temor dos castigos, e que Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; sejam Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que devem ensinar aos demais e servir-lhes de bom exemplo, a fim de que perseverem na Fé Católica, com sua prevaricação pecam mais gravemente que os outros, pois que não só se perdem eles, senão que também arrastam consigo para a perdição os povos que lhes foram confiados; pela mesma deliberação e assentimento dos Cardeais, com esta Nossa Constituição, válida perpetuamente, contra tão grande crime - que não pode haver outro maior nem mais pernicioso na Igreja de Deus - na plenitude de Nossa autoridade Apostólica, sancionamos, estabelecemos, decretamos e definimos que pelas sentenças, censuras e castigos mencionados (que permanecem em seu vigor e eficácia e que produzem seu efeito), todos e cada um dos Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; sejam Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que até agora (tal como se declara precedentemente) tiverem sido surpreendidos, ou houverem confessado, ou estejam convictos de se terem desviado (da Fé católica), ou de haver caído em heresia, ou de haver incorrido em cisma, ou de ter suscitado ou cometido; ou também os que no futuro se apartarem da Fé católica, ou caírem em heresia, ou incorrerem em cisma, ou os provocarem, ou os cometerem, ou os que forem surpreendidos ou confessarem ou admitirem haver se desviado da Fé Católica, ou haver caído em heresia, ou haver incorrido em cisma, ou tê-los provocado ou cometido, dado que nisto resultam muito mais culpáveis que os demais, fora das sentenças, censuras e castigos, enumerados, (que permanecem em seu vigor e eficácia e que produzem seus efeitos), todos e cada um dos Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; sejam Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, caíram privados também por essa mesma causa, sem necessidade de nenhuma instrução de direito ou de fato, de suas hierarquias, e de suas igrejas catedrais, inclusive metropolitanas, patriarcais e primazes; do título de Cardeal, e da dignidade de qualquer classe de Legado, e ademais de toda voz ativa e passiva, de toda autoridade, dos mosteiros, benefícios e funções eclesiásticas, com qualquer Ordem que for que tenham obtido por qualquer concessão e dispensação Apostólica, seja como titulares, ou como encarregados ou administradores, e nas quais, seja diretamente ou de alguma outra maneira houverem tido algum direito, ou os houverem adquirido de qualquer outro modo; caem assim mesmo privados de qualquer beneficio, rendido ou produzido, reservados ou assinados para eles. E do mesmo modo serão privados completamente, e em cada caso, de seus condados, baronias, marquesado, ducado, reino e império, e de forma perpétua, e de modo absoluto. E por outro lado sendo de todo contrários e incapacitados para tais funções, serão tidos ademais como relapsos e exonerados em tudo e para tudo, inclusive se antes houvessem abjurado publicamente em juízo tais heresias. E não poderão ser restituídos, repostos, reintegrados ou reabilitados, em nenhum momento, a primeira dignidade que tiveram, a suas Igrejas Catedrais, metropolitanas, patriarcais, primazes; ao cardinalato, ou a qualquer outra dignidade, maior ou menor, ou a sua voz ativa ou passiva, a sua autoridade, mosteiro, beneficio, ou condado, baronia, marquesado, ducado, reino o império, antes bem haverão de cair no arbítrio daquele poder que tenha a devida intenção de castigá-los, a menos que tendo em conta neles os sinais de verdadeiro arrependimento e aqueles frutos de uma congruente penitência, por benignidade da mesma Sé Apostólica ou por clemência houverem de ser relegados a algum mosteiro, ou em algum outro lugar dotado de um caráter disciplinário para fazer ali perpétua penitência com o pão da dor e a água da compunção. E assim serão tidos por todos, de qualquer dignidade, grau, ordem, ou condição que seja, e incluso, arcebispo, patriarca, primado, cardeal, ou de qualquer autoridade temporal, conde, barão, marquês, duque, rei o imperador, ou de qualquer outra hierarquia, e assim serão tratados e estimados, e ademais evitados como relapsos e exonerados, de tal modo que haverão de estar excluídos de todo consolo humano.
Pronta solução das vacâncias dos ofícios eclesiásticos.
Quem pretender ter um direito de patrono, ou de nomear pessoas idôneas para as Sedes Eclesiásticas vacantes por estas cercanias, a fim de que tais cargos, depois de haver sido livrados da servidão dos heréticos, não estejam expostos aos inconvenientes de uma longa vacância, mas sejam outorgados a pessoas capazes de dirigir os povos pelas vias da justiça, estão obrigados a apresentar ao Romano Pontífice os nomes de tais pessoas idôneas, dentro do tempo fixado por direito, de outra maneira, transcorrido o tempo previsto, a disponibilidade de tais Sedes retorna ao Pontífice Romano.
Excomunhão ipso facto para os que favorecerem a hereges ou cismáticos.
Incorrem em excomunhão ipso facto todos os que conscientemente ousam acolher, defender ou favorecer aos desviados ou lhes dêem crédito, ou divulguem suas doutrinas; sejam considerados infames, e não sejam admitidos a funções públicas ou privadas, nem nos Conselhos ou Sínodos, nem nos Concílios Gerais ou Provinciais, nem ao Conclave de Cardeais, ou em qualquer reunião de fiéis ou em qualquer outra eleição. Serão também impedidos e não poderão participar de nenhuma sucessão hereditária, e ninguém estará ademais obrigado a responder-lhes acerca de nenhum assunto. Se tiver algum a condição de juiz, suas sentencias carecerão de toda validez, e não se poderá submeter nenhuma outra causa a sua audiência; ou se for advogado, sua defesa será tida por nula, e se for escrivão seus papéis carecerão por completo de eficácia e vigor. Ademais os clérigos serão privados também pela mesma razão, de todas e cada uma de suas igrejas, inclusive catedrais, metropolitanas, patriarcais e primazes; de suas dignidades, mosteiros, benefícios e ofícios eclesiásticos inclusive como já se disse, qualquer que seja o grau e o modo de sua obtenção. Tanto Clérigos como leigos, inclusive os que obtiveram normalmente e que estiverem investidos das dignidades mencionadas, serão privados sem maiores trâmites de seus reinos, ducados, domínios, feudos e de todos os bens temporais que possuam, seus reinos, ducados, domínios, feudos e bens serão propriedade pública, e como bens públicos haverão de produzir um efeito de direito, em propriedade daqueles que os ocupem pela primeira vez, sempre que estes estiverem sob nossa obediência, ou de nossos sucessores os Romanos Pontífices, eleitos canonicamente, na sinceridade da Fé e em união com a Santa Igreja Romana.
6. Nulidade de todas as promoções ou elevações de desviados na Fé.
Agregamos que se em algum tempo acontecer que um Bispo, inclusive na função de Arcebispo, ou de Patriarca, ou Primaz; ou um Cardeal, inclusive na função de Legado, ou eleito Pontífice Romano que antes de sua promoção ao Cardinalato ou assunção ao Pontificado, tivesse se desviado da Fé Católica, ou houvesse caído na heresia ou incorrido em cisma, ou o houvesse suscitado ou cometido, a promoção ou a assunção, inclusive se esta houver ocorrido com o acordo unânime de todos os Cardeais, é nula, inválida e sem nenhum efeito; e de nenhum modo pode considerar-se que tal assunção haja adquirido validez, por aceitação do cargo e por sua consagração, ou pela subseqüente possessão ou quase possessão de governo e administração, ou pela mesma entronização ou adoração do Pontífice Romano, ou pela obediência que todos lhe tenham prestado, qualquer que seja o tempo transcorrido depois dos supostos sobreditos. Tal assunção não será tida por legítima em nenhuma de suas partes, e não será possível considerar que se tenha outorgado ou se outorga alguma faculdade de administrar nas coisas temporais ou espirituais aos que são promovidos, em tais circunstancias, a dignidade de bispo, arcebispo, patriarca ou primaz, ou aos que tenham assumido a função de Cardeais, ou de Pontífice Romano, senão que pelo contrário todos e cada um desses pronunciamentos, feitos, atos e resoluções e seus conseqüentes efeitos carecem de força, e não outorgam nenhuma validez, e nenhum direito a nada.
7. Os fieis não devem obedecer, senão evitar aos desviados na Fé.
E em conseqüência, os que assim houvessem sido promovidos e houvessem assumido suas funções, por essa mesma razão e sem necessidade de se fazer nenhuma declaração posterior, estão privados de toda dignidade, lugar, honra, título, autoridade, função e poder; e seja lícito, em conseqüência, a todas e a cada uma das pessoas subordinadas aos assim promovidos e assumidos, se não se tivessem apartado da Fé, nem houvessem sido heréticos, nem houvessem incorrido em cisma, ou o houvessem suscitado ou cometido, tanto os clérigos seculares e regulares, ou mesmo que os leigos; e aos Cardeais, inclusive aos que tenham participado na eleição desse Pontífice Romano, que com anterioridade se apartou da Fé, e era ou herético ou cismático, ou que tivesse consentido em outros pormenores e os tenham prestado obediência, e se tivessem ajoelhado ante ele; aos chefes, prefeitos, capitães, oficiais, inclusive de nossa materna Urbe e de todo o Estado Pontifício; assim mesmo aos que por acatamento ou juramento, ou caução se tenham obrigado e comprometido com os que nessas condições foram promovidos ou assumiram suas funções, (seja-lhes licito) subtrair-se a qualquer momento e impunemente da obediência e devoção de quem foi assim promovido ou entraram em funções, e evitá-los como se fossem feiticeiros, pagãos, publicanos ou heresiarcas, o que não obsta que estas mesmas pessoas tenham que prestar sem embargo estrita fidelidade e obediência aos futuros bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, cardeais ou ao Romano Pontífice, canonicamente eleito. E ademais para maior confusão desses mesmos assim promovidos e assumidos, se pretenderem prolongar seu governo e administração, contra os mesmos assim promovidos e assumidos (seja-lhes lícito) requerer o auxilio do braço secular, e não por isso os que se subtraem desse modo à fidelidade e obediência para com os promovidos e titulares, já ditos, estarão submetidos ao rigor de algum castigo ou censura, como se o exigissem pelo contrário os que cortam a túnica do Senhor.
8. Validez dos documentos antigos e derrogação somente dos contrários.
Não tem nenhum efeito para estas disposições as Constituições e Ordenanças Apostólicas, assim como os privilégios e letras apostólicas, dirigidas a bispos, arcebispos, patriarcas, primazes e cardeais, nem qualquer outra resolução, de qualquer teor ou forma, e com qualquer cláusula, nem os decretos, também os de motu próprio e de ciência certa do Romano Pontífice, ou concedidos em razão da plenitude apostólica, ou promulgados em consistórios, ou de qualquer outra maneira; nem tão pouco os aprovados em reiteradas ocasiões, ou renovados e incluídos no corpo do direito, ou como capítulos de conclave, ou confirmados por juramento, ou por confirmação apostólica, ou por qualquer outro modo de confirmação, inclusive os jurados por Nós mesmos. Considerando, pois essas resoluções de modo expresso e tendo-as como inseridas, palavra por palavra, inclusive aquelas que haveriam de perdurar por outras disposições, e enfim todas as demais que se oponham, por sua vez e de um modo absolutamente especial, derrogamos expressamente suas cláusulas dispositivas.
9. Decreto de publicação solene
A fim de que cheguem noticias certas das presentes letras a quem interessa, queremos que elas, ou uma cópia (referendada por um notário público, com o selo de alguma pessoa dotada de dignidade eclesiástica) sejam publicadas e fixadas na Basílica do Príncipe dos Apóstolos, e nas portas da Chancelaria apostólica, e no extremo da Praça de Flora por algum de nossos oficiais; e que é suficiente a ordem de fixar nesses lugares a cópia mencionada, e que a dita fixação ou publicação, ou a ordem de exibir a cópia sobredita, deve ser tida com caráter solene e legitimo, e que não se requer nem se deve esperar outra publicação.
10. Ilicitude das ações contrárias e sanção divina.
Portanto, a homem algum seja lícito infringir esta página de Nossa Aprovação, Inovação, Sanção, Estatuto, Derrogação, Vontade, Decreto, ou por temerária ousadia contradizer-lhes. Porém se alguém pretender atentar, saiba que haverá de incorrer na indignação do Deus Onipotente e de seus Santos Apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Roma, junto a São Pedro, aos 15 de fevereiro do ano da Encarnação do Senhor de 1559, 4º ano de nosso Pontificado.
Paulo IV.
SÃO PÍO V"Inter multiplices"Motu proprio, confirmando a Bula "Cum ex apostolatus" de Paulo IV 21 de dezembro de 1566
Entre as múltiplas preocupações que agitam Nosso espírito, encontra-se em primeiro lugar, tal como deve ser que a Igreja de Deus, a nós confiada pelo Alto, uma vez extirpando e mais ainda exterminando, se fosse possível, todas as heresias e as perversas doutrinas de errôneas opiniões, possa militar confiadamente e como uma nave em mar tranqüilo, aplacados todos os olhares, e furacões das tempestades, possa navegar sem soçobrar e chegar ao desejado porto da salvação. Assim, pois como nós ao tempo em que devíamos examinar muitos assuntos em instâncias menores do tribunal Santíssimo da Inquisição Romana e Universal, contra a perversidade herética, finalmente denunciadas (e que já tenham sido ditas pelo Santo Oficio, ou em outros correspondentes ao Ordinário de cada lugar) e processados pelos inquisidores, a causa de sua herética perversidade, havendo contribuído, para o exame da causa e para sua própria defesa, testemunhos falsos e gozando da dilucidação de gente muito pouco informada acerca de sua vida e doutrina; valendo-se ademais detalhes e testemunhos, ou de diversos outros modos lícitos, ou por dolosas escusações calculadas, ou por malícias para enganar ao dito Sacro Tribunal da Santa Igreja e a outros juízes, incluso aos Romanos Pontífices; e que por este engano muitos, tidos por inocentes, obtiveram, arrancaram a melhor confissão: a) absolutórias definitivas nos correspondentes processos inquisitoriais; b) sentenças que em vista da precedente expurgação canônica, declarava sua vida e sua doutrina conforme a verdadeira Fé Católica; c) os bons decretos do mesmo Santo Ofício, ou de outros Juízes ordinários ou delegados, ou dos inquisidores, e também dos mesmos Romanos Pontífices, predecessores Nossos. Alguns desses Romanos Pontífices confirmaram tais sentenças e decretos, inclusive com imposição de perpétuo silêncio, com inibição do que disse o Santo Oficio ou outros inquisidores pudessem ou devessem proceder em prossecução de outros pormenores; e também com a chamada das causas a exclusiva autoridade do Romano Pontífice, sob cuja proteção se colocavam; ou bem mediante derrogatórias e com especialíssimas disposições, algumas muito contraditórias ou por outros decretos, sem limite algum, enquanto as dispensas, por inumeráveis disposições com caráter de Motu Proprio, ou de Letras expedidas com o selo ou anel pontifício, inclusive emanadas em Consistório ou de modo consistorial. Donde ocorria que ditos réus investigados, sob cobertura e tutela de tais sentenças declaratórias, e das letras apostólicas, e, sobretudo assegurados pelo contexto de algumas cláusula inibitórias, redatadas contra os inquisidores, perseveravam ocultamente e também às vezes sem reserva alguma, em seus antigos erros contra a Fé Católica, e nunca voltavam realmente ao seio da Igreja, pelo contrário, em seguro contato com os demais fiéis e parecendo como católicos, puderam corromper outros espíritos, infeccionar-lhes e arrastar-lhes com facilidade para suas heréticas opiniões, para escândalo não pequeno e prejuízo de toda a cristandade, e para perdição e destruição dessas almas extraviadas.1.- Nós pois querendo sair atrás deste escândalo tão perigoso e tão contagioso, dispor medidas e prover a salvação dessas almas, e eliminar toda dúvida e discussão entre os peritos, ou qualquer outro impedimento e obstáculo , por cuja causa se impediria ou retardaria de qualquer modo ou por qualquer instância o exercício da Santa Inquisição, a respeito da perversidade herética, de Motu Proprio e por certeza de nossa própria ciência segundo a plenitude do Poder Apostólico com:1) em primeiro lugar todas e cada uma ou quaisquer Letras Apostólicas, sob qualquer forma de expressão, inclusive nas preditas e em qualquer outra causa de heresia;2) As resoluções do Motu Proprio, ou também consistoriais, ou emanadas de qualquer outro modo;3) Também as cartas firmadas de cada Motu Proprio, ou outras cédulas, de qualquer classe, conforme o direito e a justiça e que modifiquem os termos do processo;4) As mencionadas letras contra a fiscalização do Santo Oficio da Igreja ou de outros juízos ordinários ou delegados;5) As inibições, as clausulas, derrogatórias das derrogatórias, ou qualquer outra que abra um resquício e que de alguma maneira sejam contrárias a disposição ou recurso do citado Santo Oficio, revogamo-las pois a todas elas, de modo absoluto e perpétuo por esta nossa Constituição Universal, de caráter perpétuo e que terá validez perpétua, a todas e a cada uma de qualquer teor, inclusive as que são absolvitórias em causas de provada inocência; ou também as sentenças declaratórias, tenham elas qualquer redação, e suposta uma dilucidação canônica, inclusive as sentenças definitivas; os decretos promulgados em favor dos mesmos réus, investigados e denunciados pelo sobredito Santo Oficio ou por outros juizes ordinários ou delegados, ou também pelos mesmos Pontífices Romanos; ou as sentenças e decretos que haverão de ser promulgados, inclusive por Nós mesmo, ou por nossos sucessores os Pontífices Romanos de cada tempo. Nós por nossa autoridade Apostólica declaramos, decretamos, estabelecemos e ordenamos que nunca hão tido efeito, nem no futuro poderá ter-lo na coisa julgada.2.- As mencionadas sentenças e decretos, e todas as letras apostólicas, incluídas as que são de graça, reiteradas ou emanadas, confirmadas ou que houverem de ser-lo, pela autoridade de diversos Pontífices Romanos, junto com as mencionadas derrogatórias, de qualquer teor, inclusive as cláusulas contraditórias, os decretos e as inibições, e também as sanções canônicas, com todas e cada uma de suas disposições, antecedentes e conseqüentes, como se estivessem na Letra queremos que sejam aqui inseridos de modo expresso e total, assim como todas as que se oponham de qualquer maneira; e pela mesma autoridade apostólica queremos igualmente e mandamos que diz o Santo Oficio da Inquisição , e os Cardeais nossos diletos filhos de hoje, e os que existam em cada tempo na Igreja Romana, inquisidores da perversidade herética, e encarregados desse tribunal, agora e em qualquer tempo, podem e devem inquirir de novo e proceder contra esses mesmos, denunciados ou investigados, inclusive se forem bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, Cardeais da Santa Inquisição Romana, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis e imperadores, tanto de pormenores do passado, como de outros que se tenham agregado posteriormente, com testemunhos recebidos ou a receber, e com todos os demais argumentos, provas e indícios, segundo concedidas e dadas – ou que no futuro poderão ser-lo – aos mesmos Cardeais Inquisidores, por Nós ou por algum de nossos predecessores e sucessores, os Pontífices Romanos ou pela Sé Apostólica, em tudo e por tudo, tal como se as dilucidações canônicas não houvessem conferido nenhum beneficio a tais réus denunciados e investigados, inclusive bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, Cardeais, Legados, condes, condes, barões, marqueses, duques, reis e imperadores, sobretudo se apareceram novos indícios da mesma ou de outra espécie de heresia, inclusive em relação com épocas passadas, ou quando resultar-se por indício de outra natureza, que esse mesmo réu, denunciado e investigado, houver sido absolvido de algum modo ilícito. Concedemos ademais aos mesmos Cardeais Inquisidores e ao já mencionado Santo Oficio da Inquisição, encarregados agora e em todo tempo que seja, da faculdade, poder e autoridade plena, livre, ampla e omnimoda de rever tais causas, sem excluir as que tiverem sido decididas segundo a autoridade do Concilio Ecumênico Universal Tridentino, e de reassumir no estado e termos em que se encontravam antes das mencionadas sentenças e decretos, e inclusive antes das dilucidações canônicas, e de levá-las a termo segundo o fim devido, tal como acontece nas demais causas pendentes, todavia sem decisão alguma, com intervenção desses mesmos Cardeais Inquisidores, segundo as faculdades próprias, e tal como pode e é costume que assim se proceda.( As restantes clausulas de 4 a 9, deste Motu Proprio, contem disposições de procedimento canônico ou resoluções derrogatórias, ou estabelecem a validez das cópias do texto, exibição ou publicação das mesmas, etc. )

Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia 21 de dezembro de 1566.

Pio V

A NOVA TEOLOGIA DA MISSA

A NOVA TEOLOGIA DA MISSA

Francisco Lafayette de Moraes



ÍNDICE

01 - PROPÓSITO

02 - A TEOLOGIA DA MISSA

03 - SACRIFÍCIO DA MISSA: SACRIFÍCIO DA CRUZ CONTINUADO NO ALTAR

04 - A EXPLICITAÇÃO DA FÉ CATÓLICA: TRENTO

05 - MISSA: A FÉ CATÓLICA E A FÉ PROTESTANTE

06 - A TEOLOGIA HERÉTICA DA MISSA DE PAULO VI

OBRAS CITADAS E/OU TRANSCRITAS



01 - PROPÓSITO

Este trabalho tem por PROPÓSITO mostrar que, embora o Concílio de Trento tenha definido "de maneira precisa a fé católica" relativamente à “TEOLOGIA da Missa e do Sacerdócio”: sacrifício verdadeiro, presença real de Jesus Cristo e sacerdócio hierárquico, esses dogmas não estão claramente afirmados na definição da Missa de Paulo VI, dada pelo "artigo 7 da «Institutio Generalis», cuja TEOLOGIA é claramente herética". De fato, o "NOVUS ORDO MISSAE" — isto é, o Novo Ordinário da Missa — "afasta-se, tanto em seu conjunto como nos detalhes, da TEOLOGIA católica da Santa Missa" e "aproxima-se de modo impressionante da herética TEOLOGIA protestante e constitui assim um perigo para a fé", como afirmaram os Cardeais Ottaviani e Bacci, em documento enviado ao Papa Paulo VI.


02 - A TEOLOGIA DA MISSA


A Associação "Una Voce Helvetica" publicou, em março de 1982, sob a rubrica do Pe. RENÉ MARIE, um estudo, "Teologia da Missa". São excelentes essas páginas e julgo útil extrair delas alguns trechos[1].

A Igreja Católica "possui as verdadeiras fontes da graça sobrenatural que são os sete sacramentos. E todas essas fontes de graça correm do Calvário, onde o Cristo Redentor ofereceu seu sacrifício. O sacrifício do Calvário é assim a fonte única donde se derrama sobre o mundo toda a vida sobrenatural... . O sacrifício é o ato supremo da virtude de religião e essa virtude é a justiça que devemos a Deus. Ela consiste em reconhecer a grandeza eminente de Deus e a submissão do homem... ".
"O sacrifício é a expressão privilegiada da virtude da religião. O sacrifício, segundo a etimologia da palavra (sacrum facere), consiste em fazer o sagrado, diz-nos São Tomás de Aquino, isto é, separar para Deus".

"Desde a origem da humanidade vemos o homem oferecer a Deus sacrifícios e exprimir desse modo sua religião. Abel oferece as primícias de seus rebanhos...".

[...]

Relembremos, portanto, o resumo do ensinamento sobre o Sacrifício do Calvário: "Realizou-se no Calvário, em toda a sua plenitude, o sacrifício para a glória de Deus; há a vítima, a única digna de Deus: seu próprio filho. Existe o ofertante que não são nem os soldados romanos, nem os sacerdotes judeus, mas o próprio Cristo, o qual, simultaneamente sacerdote e vítima, se oferece a seu Pai e morre por sua própria vontade, após ter derramado todo o seu sangue, na imolação livremente consentida".

"Esse sacrifício é único e basta para render a Deus toda honra e glória e para obter para os homens a graça... . Esse sacrifício, fonte única de todo o bem superior, Deus o quis tornar presente em todas as gerações de homens que se sucederão ao longo de todos os séculos até o fim do mundo, pela instituição da Eucaristia, segundo o testemunho do Evangelho. O profeta Malaquias, o último do Antigo Testamento, já havia profetizado: ‘Eis que em todo o lugar se oferece a Deus uma oblação pura’ (Mal.1,11)".

"Que o sacrifício eucarístico seja a renovação do sacrifício da Cruz[2] e o modo de torná-lo presente, é a doutrina de fé definida pelo Concílio de Trento: A vítima é a mesma, o sacerdote ofertante é também o mesmo, só difere a maneira de oferecer".

"A vítima, com efeito, é sempre o Cristo, sob as aparências do pão e do vinho. O sacerdote sacrificador também é Cristo, que perpetua a oferenda voluntária de seu sacrifício".

"Os sacerdotes do Novo Testamento não são sucessores nem substitutos de Cristo, são simplesmente seus ministros ou seus instrumentos".

"Convém esclarecer que a Missa e o Sacrifício da Missa não constituem uma só e mesma coisa, mas o Sacrifício se realiza na Missa. É a Igreja que institui os ritos da Missa para magnificar o sacrifício do Senhor e para explicitar seu mistério e dispor, desse modo, os espíritos aos sentimentos de adoração e de devoção".

Como se sabe, é na dupla Consagração que se realiza o Sacrifício: "O próprio Sacrifício da Missa encontra-se realizado essencialmente na dupla Consagração. É nesse rito, prescrito pelo Senhor, que se renova sacramentalmente o Sacrifício do Calvário. É somente nesse caso que o sacerdote age ‘na pessoa de Cristo’, em seu nome e em seu lugar".

[...]

“«O sacrifício do Calvário revivido sacramentalmente» é um parágrafo da brochura ‘Una Voce Helvetica’ que parece ser interessante aqui reproduzir”.

"O Concílio de Trento nos ensina que na Missa, como no Calvário, oferece-se a mesma vítima: o próprio Cristo; e é também o mesmo sacerdote que oferece; o próprio Cristo que se oferece pela redenção dos homens. Só a maneira de oferecer é diferente: no Calvário a imolação é sangrenta, na Missa a imolação reproduz-se sacramentalmente, isto é, por um sinal sacramental, a Deus reservado, que produz e realiza o que ele significa. A separação das oblatas é sinal sagrado que significa a morte de Cristo na Missa".

"No sacrifício de animais da Antiga Aliança, a separação do corpo e do sangue da vítima significa a morte da vítima. No sacrifício da Nova Aliança, a separação das oblatas significa sacramentalmente a morte da vítima: Cristo".

"É muito certo que Cristo morreu somente uma vez, mas, na Missa, sua imolação é significada e realizada sacramentalmente. Desse modo, a Missa é a renovação, a atualização no tempo, do Sacrifício da Cruz".

"Assim, cada vez que assistimos ao Sacrifício da Missa, subimos, em espírito, o Calvário, onde nos sentimos ao lado da Mãe das Dores e de São João. ‘Eu lá estava’ dizia Santo Agostinho. Este Sacrifício, continua a brochura, é satisfatório[3], oferecendo Cristo a Deus uma satisfação superabundante; ele é propiciatório[4], pois Cristo reconciliou o mundo com Deus; ele é impetratório[5], tendo Cristo suplicado ao Pai que concedesse aos homens as graças de santificação; ele é eucarístico, porque é homenagem perfeita de adoração, de louvor e de ações de graças a Deus".

"Mas, por que, então, a Missa?" indaga a brochura.

"É certíssimo - diz a publicação - que Cristo operou a Redenção do mundo em um ato único e que Ele morreu uma só vez... Por sua morte, logrou Cristo a salvação para todos os homens. É a doutrina da Igreja... . Cristo morreu, portanto, para todos. No entanto, isso não quer dizer que todos os homens sejam salvos. Ao contrário, Cristo nos disse que muitos irão ao fogo eterno".

"A Paixão de Cristo é causa universal de salvação e uma causa universal deve ser aplicada aos casos individuais. Ora, os méritos da Paixão de Cristo nos são aplicados precisamente pela renovação do Sacrifício da Missa".

"Eis um exemplo. Uma fonte é suficientemente abundante para satisfazer as necessidades de toda uma cidade; contudo, será preciso ainda captar essa fonte e transportar a água até a porta de cada habitante, senão, apesar da fonte, pode-se vir a morrer de sede... Assim, por sua Paixão, Cristo abriu a fonte de todo o bem espiritual. Todavia, isso não basta para que efetivamente participemos dessa fonte, é preciso que a aplicação de seus frutos se faça para cada um de nós. Essa é a obra do Sacrifício da Missa renovada sobre os nossos altares, (pois) a Missa é necessária para que os frutos da Paixão cheguem até nós."

“Evidentemente as diferentes orações da Missa não foram instituídas por Nosso Senhor. Os Apóstolos envolveram a Consagração e a Comunhão em preces e leituras e a Igreja, numa lenta elaboração, constituiu o Missal ou, mais exatamente, as diferentes Igrejas fizeram esse trabalho, donde a existência de missais diferentes uns dos outros, mas sempre com a mesma vontade de bem expor o mistério eucarístico e de preservá-lo das deformações heréticas”.

03 - SACRIFÍCIO DA MISSA: SACRIFÍCIO DA CRUZ CONTINUADO NO ALTAR

Jesus Cristo[6] é, Ele mesmo, o autor da Missa naquilo que ela tem de essencial, tendo a Igreja colocado os acessórios que são as cerimônias que acompanham o Sacrifício do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor. O sacerdote, ao oferecer o Santo Sacrifício da Missa, apenas dá continuidade ao Sacrifício da Cruz, porque ele recebeu ordem formal de Jesus Cristo na véspera de sua morte, quando nosso divino Salvador deu, durante a Ceia, seu Corpo e seu Sangue aos seus Apóstolos dizendo-lhes: "FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM[7]".

O rei David dá a Jesus Cristo, no salmo 109, o título de "Sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque", porque nosso divino Salvador vai utilizar o pão e o vinho no sacrifício (da Missa), como outrora o havia feito Melquisedeque. O rei profeta O chama Padre eterno, porque pai Ele será sempre e porque o sacrifício que Ele instituiu continuará a existir até o fim dos tempos graças ao sacerdócio católico!

O profeta Malaquias, no capítulo primeiro (1, 11), diz que "depois do nascer e até o pôr do sol, será oferecido (em todo lugar) um sacrifício puro e sem mancha à majestade do Altíssimo".

E o profeta Jeremias, no capítulo 33, 18, diz que “nunca se verá faltar os sacerdotes, nem os sacrifícios”.

Onde encontraremos o cumprimento de tais profecias? na Igreja Católica, e não junto aos protestantes uma vez que eles não têm nem sacerdócio, nem sacrifício.

A Lei de Moisés prescrevia quatro sacrifícios: o holocausto, o sacrifício eucarístico, o sacrifício impetratório e o sacrifício propiciatório.

As vítimas eram oferecidas em holocausto em reconhecimento ao soberano domínio de Deus sobre todas as criaturas.

Os sacrifícios eucarísticos eram oferecidos para agradecer a Deus quaisquer favores consideráveis (ou graças) que tivessem sido recebidos.

Oferecia-se um sacrifício impetratório para pedir a Deus qualquer graça importante.

O sacrifício propiciatório era oferecido para a expiação de qualquer pecado e de forma a tornar Deus propício.

Santo Agostinho (354-430), falando do Sacrifício da Missa no seu décimo sétimo Livro da Cidade de Deus, diz: "Este sacrifício foi estabelecido para tomar o lugar de todos os sacrifícios do Antigo Testamento".

Santo Iríneu (140-202) diz ainda: "Os Apóstolos receberam este sacrifício de Jesus Cristo e a Igreja o oferece hoje em dia em todos os lugares, conforme a profecia de Malaquias".

Celebrava-se a Missa há 600 anos, há 1200 anos, há 1900 anos, como a celebramos hoje em dia na Igreja Católica[8], porque a Igreja recebeu a missão de oferecer este divino sacrifício da boca do próprio Jesus Cristo.

Quando um costume é universalmente estabelecido na Igreja e não havendo um Papa, um Bispo ou algum Concílio que seja o seu autor, isto é uma prova evidente que foram os Apóstolos que nos ensinaram a praticá-lo.

O Sacrifício da Missa é um desses costumes.


SACRIFÍCIO PROPICIATÓRIO

O sacrifício da Missa é propiciatório para os vivos e para os mortos.

Para os vivos porque ele é oferecido a Deus para obter, para eles, o perdão dos pecados e a remissão das penas devidas por causa dos pecados... Este dogma da nossa fé pode ser provado pelas palavras de nossos Livros Santos: "Isto é meu sangue, que é derramado por muitos, para a remissão dos pecados" (Mt.26,28).

[...]

O Sacrifício da Missa é também propiciatório para os mortos, sendo oferecido para contribuir para a remissão das penas temporais que ainda tenham que ser pagas à justiça divina. Os Livros Santos nos dizem: "é um pensamento santo e salutar o de rezar pelos mortos a fim de que eles fiquem isentos de seus pecados". E - fazendo uma analogia - não se lê no décimo segundo capítulo do segundo Livro dos Macabeus, que Judas Macabeu, general de exército, após uma brilhante vitória obtida sobre os inimigos de sua nação, enviou doze mil dracmas de prata ao templo de Jerusalém para que fossem oferecidos sacrifícios pelas almas de seus soldados que haviam sucumbido no combate?

[...]

O Santo Sacrifício da Missa tem sido oferecido pelos mortos desde os primeiros tempos do cristianismo, como é fácil de se constatar pelo testemunho dos Santos Padres.

Tertuliano nos diz: "que uma mulher que não faz oferecer o Santo Sacrifício da Missa todos os anos por seu marido, no dia de seu falecimento, deve ser considerada como tendo se divorciado dele".

[...]

Desde as origens do cristianismo o Santo Sacrifício da Missa foi oferecido como ele ainda o é, em nossos dias, na Igreja de Jesus Cristo[9].

E esse Sacrifício sempre foi oferecido tanto pelos vivos como pelos mortos: um SACRIFÍCIO PROPICIATÓRIO, o que os protestantes não aceitam[10].


04 - A EXPLICITAÇÃO DA FÉ CATÓLICA: TRENTO

"Já eram decorridos 1500 anos que a Missa era celebrada como é dita hoje na Igreja Católica[11], quando o protestantismo rejeitou este dogma de nossa fé: a Missa é a oferenda do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo feita a Deus pelo sacerdote".

Tendo "Lutero, e outros", negado "certo número de verdades, o Concílio de Trento definiu, de maneira precisa, a fé católica".

"O Concílio de Trento afirma a presença real e substancial de Cristo sob as aparências do pão e do vinho, e o fato de que a Missa é verdadeiramente um sacrifício verdadeiro, em substância, o Sacrifício da Cruz, isto é, um sacrifício propiciatório pela remissão dos pecados, ao mesmo tempo que (é) um sacrifício de louvor e de ação de graças. Ademais, tendo recebido o sacramento da ordem, somente o sacerdote tem o poder de consagrar".

Mas tal doutrina, afirmada, ou melhor, reafirmada no Concílio de Trento, não é uma coisa nova, nascida daquele Concílio, no século XVI, pois o que aquele Concílio fez foi tornar explícitas as verdades de fé, relativas à Missa e ao Sacerdócio, que foram professadas desde os primeiros tempos da Igreja.

De fato, as verdades negadas por Lutero faziam parte, na época daquele Concílio, do "Magistério da Igreja exercido de maneira tácita", ou seja, aquele que corresponde a "tudo o que foi crido desde o tempo dos Apóstolos, ... tudo o que está contido na Sagrada Escritura e tudo o que faz parte da Tradição".

Porém, em decorrência das heresias protestantes, foi necessário passar ao ensinamento explícito daquilo que antes a Igreja tinha se limitado a propor tacitamente, ou seja, foi necessário passar do Magistério Tácito ao Magistério Explícito.

Foi o que fez o Concílio de Trento.

Além disso, "como os erros de Lutero se insinuassem, quer no espírito de clérigos, quer no de fiéis, quer em certos missais, desejou aquele Concílio um estudo dos diferentes missais e a elaboração de um Missal que fechasse a porta às heresias. Este trabalho foi realizado pelo Papa São Pio V".

E a Missa restaurada por São Pio V e por ele canonizada expressa "claramente estas realidades: SACRIFÍCIO, PRESENÇA REAL da Vítima e SACERDÓCIO DOS PADRES", exprimindo "de maneira precisa a fé católica".




05 - MISSA: A FÉ CATÓLICA E A FÉ PROTESTANTE

Para os católicos o Santo Sacrifício da Missa é o "Sacrifício da Nova Lei, no qual Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo ministério do sacerdote, se oferece a Si mesmo a Deus, de maneira incruenta, sob as aparências do pão e do vinho".

Pelo Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo renovou a dignidade da natureza humana, decaída em função do pecado original, e remiu os pecados de todos os homens. E Ele deixou este Sacrifício perpetuado no Sacrifício que se realiza em nossos altares, isto é, o Santo Sacrifício da Missa é o mesmo Sacrifício da Cruz, e, além de ser um sacrifício satisfatório, impetratório e eucarístico, é também, como reafirmou e enfatizou o Concílio de Trento, um sacrifício propiciatório que alcança "a remissão dos pecados".

Isto os protestantes não aceitam; para eles o Sacrifício da Missa não é o Sacrifício da Cruz continuado, não é um sacrifício propiciatório, uma vez que, segundo Lutero, "o Sacrifício da Cruz se realizou num momento determinado da história; é prisioneiro desta história", e, assim sendo, não pode ter continuação. Entendem os protestantes "que o Sacrifício da Missa é inútil porque Nosso Senhor, por sua morte na Cruz, já obteve o perdão de todos os nossos pecados" e que a salvação virá pela fé em Jesus, pela "fé em sua morte e ressurreição". "Para Lutero a Missa pode ser um sacrifício de louvor, ou seja, um ato de louvor e de ação de graças (esta limitação foi condenada pelo Concílio de Trento) mas não certamente um sacrifício propiciatório que renova e aplica o Sacrifício da Cruz" e, por isso mesmo, os protestantes transformaram a Missa em um "simples memorial", em uma comemoração da Ceia do Senhor.

Não tendo os protestantes um sacrifício verdadeiro eles não têm, também, e não querem ter, uma Vítima. Para os católicos Jesus Cristo está real, isto é, está "fisicamente presente" após a Consagração para Se oferecer como Vítima no Santo Sacrifício da Missa, ao passo que para os protestantes há apenas uma presença espiritual do Senhor, pois, para eles "trata-se somente de celebrar um memorial e é pela oração da comunidade que se realiza a presença de Cristo", uma vez que, "segundo Lutero, não são as palavras da Consagração mas sim a fé dos fiéis presentes que irá produzir uma presença espiritual de Cristo".

Não havendo sacrifício não há necessidade de sacerdote, e por isso mesmo Lutero afirmava, em seu tempo, que "todos os cristãos são sacerdotes", e, assim sendo, "o pastor apenas exerce uma função presidindo a ‘missa evangélica’".

A esta altura, podemos afirmar junto com Dom Antônio de Castro Mayer que "três coisas essenciais da Missa católica estão em oposição frontal ao luteranismo:

(1) SACERDÓCIO HIERÁRQUICO

Segundo os protestantes, não há sacerdócio hierárquico, distinto e superior ao sacerdócio comum de todos os fiéis, porém, segundo a doutrina católica o sacerdócio hierárquico é indispensável para que haja Missa.

(2) PRESENÇA REAL

Não admitem os protestantes uma presença real, física de Jesus Cristo, após a Consagração, todavia, admitem uma presença real mas apenas espiritual, como a presença de Jesus Cristo onde dois ou três se reúnem em Seu nome; já segundo a doutrina católica, pela transubstanciação realizada na Missa, Jesus está fisicamente presente sob as espécies de pão e vinho.

(3) SACRIFÍCIO PROPICIATÓRIO

Finalmente, rejeitam os protestantes que a Missa seja sacrifício propiciatório; a Missa, define o Concílio de Trento, é um sacrifício não só de louvor e ação de graças, mas sobretudo propiciatório.

A Nova Missa, segundo a descrição que dela faz a "INSTITUTIO" do Missal de Paulo VI, contém os três postulados protestantes. Basta ler o número 7[12] da "INSTITUTIO" na edição de 1969, que a edição de 1970 fingiu corrigir"[13].

Com relação ao termo "INSTITUTIO", mencionado no parágrafo anterior, trata-se da "INSTITUTIO GENERALIS", ou INSTRUÇÃO GERAL, do Missal de Paulo VI, documento que apresenta e define a Missa aprovada por aquele Papa, assunto do próximo tópico.


06 - A TEOLOGIA HERÉTICA DA MISSA DE PAULO VI

Afirma-se[14] levianamente que os tradicionalistas fizeram da Missa Tridentina uma espécie de senha contra o Concílio Vaticano II. Profundo erro, pois os tradicionalistas não se opuseram a esse Concílio, mas simplesmente a algumas de suas fórmulas, como aquela sobre a liberdade religiosa, que se opõe a fé definida por Pio IX; levantaram-se também contra os exageros litúrgicos, que são antes obra do "espírito do Concílio" que dos próprios textos.

Eles recusam a Nova Missa porque ela é ambígua e porque duvidam que essa nova Missa seja a verdadeira Missa.

Por quê?

Primeiramente devido ao artigo 7 da "INSTITUTIO GENERALIS", cuja teologia é claramente herética[15].
Eis o texto desse “famoso” artigo 7: "A Ceia do Senhor, também chamada Missa, é a assembléia ou reunião do povo de Deus sob a presidência do sacerdote a fim de celebrar o memorial do Senhor. É por isso que, a esse agrupamento local da Igreja, se aplica eminentemente a promessa de Cristo: ‘Onde dois ou três se reunirem em meu nome, aí eu estou no meio deles’"[16].

Assim:

1. A Missa é denominada inicialmente "Ceia" segundo a terminologia protestante, e ela é apresentada unicamente como o agrupamento do povo de Deus.
2. O sacerdote é exclusivamente um "presidente".
3. A Missa é obra de toda a comunidade, consistindo a função de presidência do sacerdote unicamente em "celebrar o memorial do Senhor", definição que, em função das duas precedentes, tem nítido sabor protestante.
4. Em conseqüência desse agrupamento, Cristo está presente.
Essa definição é antes de tudo incompleta, pois ela omite o fato de ser a Missa um SACRIFÍCIO, e cala aquilo que afirmou o Concílio de Trento; ademais ela é uma inversão da ordem teológica que afirma:

“Em primeiro lugar, a PRESENÇA REAL E SUBSTANCIAL do Corpo e do Sangue de Cristo sob as espécies eucarísticas, pelo MINISTÉRIO DO SACERDOTE que oferece um SACRIFÍCIO, o Sacrifício de Cristo, porque ele (o sacerdote) ocupa o seu lugar e age em seu nome e condensa em si mesmo a comunidade dos fiéis[17].”

Ora, nesse artigo 7, ao contrário, o que é primeiro e parece constituir em si o sacramento, é a comunidade reunida. Trata-se somente de celebrar um memorial, e é pela oração da comunidade que se realiza a presença de Cristo (presença puramente espiritual, aliás)[18].

Coisa estranha, enquanto esse texto foi modificado por ordem de Paulo VI, nossos bispos franceses mantiveram o texto herético, que acabamos de citar, na preparação do Congresso Eucarístico de Lourdes!

Do mesmo modo, a modificação introduzida pela Congregação do Culto Divino está longe de ser perfeita. Esta Congregação, aliás, confessa-o ingenuamente ao comentar os diferentes retoques feitos na apresentação do Missal Romano: "As emendas, na realidade, são pouco numerosas, por vezes são pouco importantes ou referem-se apenas ao estilo".

Eis o novo texto: "In missa, seu Cena dominica, populus Dei in unum convocatur, sacerdote praeside personna Christi gerente, ad memoriale domini seu sacrificium eucharisticum celebrandum. Quare de hujus modi sanctae Eclesiae coadunatione locali eminenter valet promissio Christi: ‘Ubi sunt duo vel tre congregati in nomine meo, ibi sum in medio eorum’ (Mt.18,20). In missae enim celebratione in qua sacrificium Crucis perpetuatur, Christus realiter praesens adest in ipso coetu in suo nomine congregato, in persona ministri, in verbo suo et quidem substantialiter et continenter sub speciebus eucharisticis".

O que significa:

1. À missa, também chamada Ceia do Senhor, o povo de Deus se reúne sob a presidência do sacerdote que ocupa o lugar de Cristo para celebrar o memorial do Senhor ou Sacrifício eucarístico.
2. Por isso vale eminentemente para um agrupamento local desse gênero da Igreja santa a promessa de Cristo: "Lá onde dois ou três se reunirem em meu nome, aí eu estou no meio deles" (Mt.18,20).
3. Na celebração da missa, com efeito, na qual o Sacrifício da Cruz é perpetuado, Cristo está verdadeiramente presente na assembléia reunida em seu nome, na pessoa do ministro, em sua palavra e, de modo substancial e contínuo, sob as espécies eucarísticas"[19].
Essa definição permanece imperfeita e ambígua.

1. Continua-se em assimilar a missa à Ceia e já não se põe em relevo que ela é a continuação e a renovação do Sacrifício da Cruz.
2. A missa ainda é "a reunião do povo de Deus" e ela é como a ação do povo de Deus para celebrar o memorial.
3. Diz-se bem que é a celebração do Sacrifício Eucarístico, mas não se explicita se se trata do sacrifício propiciatório ou simplesmente do sacrifício de louvor ou de ação de graças. Ora, Max Thurian[20] admite a Eucaristia "memorial do Senhor, sacrifício de ação de graças e de intercessão", e o Concílio de Trento disse: "Se alguém disser que o Sacrifício da Missa é somente um sacrifício de louvor e de ação de graças, ou simplesmente uma comemoração do Sacrifício (da Cruz[21]) e não um sacrifício propiciatório, que seja anátema". Insistem, pois, em adotar fórmulas ambíguas.
4. Ainda que se escreva que o grupamento está sob a presidência do sacerdote, não se oculta que "é a comunidade que é chamada a celebrar o memorial".
5. E é devido a esse grupamento da comunidade que Cristo está presente. Com efeito, diz-se "Quare", eis porque se deveria concluir logicamente que uma missa que não reúne uma comunidade não obtém a presença de Cristo.
6. Após essa primeira presença de Cristo na comunidade, acrescenta-se que Cristo está presente, também, na presença do ministro, em sua palavra proclamada na missa, sem distinguir o valor real dessas diferentes presenças. Finalmente se adiciona sua presença substancial sob as espécies eucarísticas. Esta última presença é insuficientemente particularizada pois, para os protestantes, há uma presença de Cristo sob o sinal do pão e do vinho, mas pela fé expressa pelos fiéis.
Esse artigo 7, posto que modificado, permanece radicalmente ambíguo! E não se diga que o Proêmio[22], acrescentado a seguir, corrija essa ambigüidade. Em particular, o artigo 5 põe em evidência o "sacerdócio real dos fiéis"[23] e diz: "a celebração da Eucaristia (não se diz da Missa) é obra de toda a Igreja na qual cada um faz somente, mas totalmente, aquilo que lhe compete, respeitada a posição que ele ocupa no povo de Deus!"

Os bispos franceses compreendem muito bem isto quando fornecem explicações sobre a celebração eucarística e dizem: "A Assembléia que realiza a Eucaristia é a Igreja num determinado lugar".

Desse modo, chega-se praticamente a absorver o sacerdócio ministerial dos sacerdotes no sacerdócio comum dos fiéis, enquanto que este só tem existência e exercício em virtude do primeiro e a ele subordinado.

O Proêmio ousa escrever: “[...] assim, no novo missal a regra de oração (lex orandi) da Igreja corresponde à sua constante regra de fé (lex credendi)". Pode-se dizer que isto não é verdade: a regra de oração do novo missal, definida pela "INSTITUTIO GENERALIS" não está conforme a regra da fé constante da Igreja[24].

Além disso, pode-se concluir também que o artigo 7 da "INSTITUTIO GENERALIS", tal como redigido inicialmente ou mesmo depois, é o fato que melhor demonstra a intenção dos autores da Nova Missa de, pela "RENOVAÇÃO" da TEOLOGIA DA EUCARISTIA, criar condições favoráveis à concretização de um falso "ecumenismo", e mesmo que esse artigo 7 tenha sido, posteriormente, alterado [e não satisfatoriamente como o demonstrou o Padre Des Graviers: "Essa definição (a nova) permanece imperfeita e ambígua"], o fundamental, isto é, O NOVO ORDINÁRIO DA MISSA NÃO O FOI, e, assim sendo, o rito da Nova Missa continuou sendo um rito que podia e ainda pode ser aceito pelos protestantes. Louis Salleron, em seu livro "A Nova Missa", aborda também este tema: "A Institutio Generalis, em sua redação primitiva, servia de introdução ao novo ORDO MISSAE O QUAL NÃO FOI MODIFICADO... Os autores da Institutio Generalis são os (mesmos) autores do ORDO MISSAE. Na Institutio Generalis eles nos dizem o que é o NOVO ORDO. Modificam o rito tradicional para fazê-lo aceitável aos protestantes. É um rito ecumênico. Isto explica a sua definição constante do artigo 7, que vale para a ceia protestante ainda mais que para a Missa católica"[25].

De fato, o NOVO ORDINÁRIO DA MISSA de Paulo VI, como afirmaram os Cardeais OTTAVIANI e BACCI, "se afasta, tanto em seu conjunto como nos detalhes, da TEOLOGIA CATÓLICA da Santa Missa" e, sem dúvida, "aproxima-se de modo impressionante da TEOLOGIA PROTESTANTE HERÉTICA e constitui assim um perigo para a fé"[26].

Ademais, ainda em função de um falso ecumenismo, a Missa canonizada por São Pio V tinha que ser "substituída" uma vez que, expressando "a antiga fé e a doutrina do grande mistério eucarístico", contrariava e ainda contraria diretamente as teorias heréticas dos protestantes e por eles não poderia (e não pode) ser aceita.

Modificada a concepção de Missa, isto é, modificada a sua definição (artigo 7 da Institutio Generalis), modificada a sua TEOLOGIA ("renovada"? NÃO!) e a teologia do Sacerdócio, era mister, para os progressistas, mudar também a CELEBRAÇÃO da Santa Missa. O falso ecumenismo aprovado pelo Vaticano II exigia esta mudança, e ela foi feita; e a eliminação ou atenuação de tudo aquilo que exprime claramente a fé católica sobre os dogmas eucarísticos foi dita ser a "RENOVAÇÃO" da TEOLOGIA e da CELEBRAÇÃO da EUCARISTIA; e assim foram atendidos os desejos dos protestantes, como o confirmou a "Comissão Mista CATÓLICO-LUTERANA, oficialmente reconhecida pelo Vaticano"[27], ao afirmar:

(1) - "Entre as idéias do Concílio Vaticano II, onde se pode ver um acolhimento dos postulados de Lutero", acha-se "por exemplo: [...] o acento colocado sobre o sacerdócio de todos os batizados"[28] (ou seja, um postulado totalmente diferente daquele que a Igreja sempre defendeu: o sacerdócio hierárquico é distinto do sacerdócio comum dos fiéis).

(2) - "Outras exigências que LUTERO tinha formulado em seu tempo podem ser consideradas como sendo satisfeitas na TEOLOGIA e na prática da Igreja de hoje: o emprego da língua vulgar na liturgia, a possibilidade da comunhão sob as duas espécies e a RENOVAÇÃO DA TEOLOGIA e da CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA"[29].


OBRAS CITADAS E/OU TRANSCRITAS

01 - Monsenhor MARCEL LEFEBVRE - "CARTA ABERTA AOS CATÓLICOS PERPLEXOS" - 1984 - EDITORA PERMANÊNCIA - SEM DATA - RIO de JANEIRO.
02 - Padre DES GRAVIERS - "PARECER SOBRE A “RESTAURAÇÃO” DA MISSA APÓS O VATICANO II" - Revista PERMANÊNCIA - MAR/ABR - 1983.
03 - Padre RAYMOND DULAC - "QUO PRIMUM TEMPORE" - Estudo sobre a Bula que promulgou o Missal Romano de São Pio V - Revista PERMANÊNCIA - NOV/DEZ - 1975.
04 - Padre FERNANDO A. RIFAN - "MISSA NOVA OU MISSA TRADICIONAL" - Folheto - SEM DATA - CAMPOS.
05 - SI, SI, NO, NO - "UM INDULTO?" - 1984 - Revista PERMANÊNCIA - MAR/ABR - 1985.
06 - Monsenhor Ch. GUAY - "L'EGLISE ET LES SACREMENTS" - Revista COMMUNICANTES - n.35 - OCTOBRE - 1990.
07 - CONCÍLIO DE TRENTO - EXTRATO DE CANONES E DECRETOS - SEM DATA - "Imprimatur de 15-07-1953" - EDITORA VOZES - PETRÓPOLIS.
08 - (Autor não mencionado) - "PEQUENO CATECISMO SOBRE A TRADIÇÃO" - Jornal ONTEM-HOJE-SEMPRE - n.7 - AGO/SET - 1990 - CAMPOS.
09 - SACERDOTE CATÓLICO - "LA SANTA MISA Y LA NUEVA MISA" - Revista ROMA AETERNA - n.116 - SET - 1990.
10 - Dom ANTONIO DE CASTRO MAYER - "A IGREJA DO CONCÍLIO VATICANO II NÃO PODE SER A IGREJA CATÓLICA" - Revista PERMANÊNCIA - NOV/DEZ ­1984.
11 - LOUIS SALLERON - "LA NUEVA MISA" - 1978 - EDITORIAL ICTION.

Notas:
[1] - Palavras do Padre Des Graviers. Toda esta parte reproduz trecho de artigo deste Padre intitulado: “PARECER SOBRE A ‘RESTAURAÇÃO’ DA MISSA APÓS O VATICANO II.
[2] - A doutrina sobre o “santíssimo Sacrifício da Missa” tal como “ensina, declara e determina” o Concílio de Trento, “para que se mantenha integra na Igreja Católica a antiga fé e doutrina do grande mistério eucarístico”, foi tornada explícita na Sessão XXII, de 17-09-1562.
[3] - Em outras obras consta “culto de latria”, ou seja, de adoração à Deus.
[4] - PROPICIAÇÃO: ação de tornar Deus propício.
[5] - IMPETRAÇÃO: ação de obter de Deus as graças e as bençãos divinas.
[6] - Transcrição de trecho de conferência do Monsenhor Guay.
[7] - O destaque é meu.
[8] - Em 1907, Monsenhor Guay fala da Missa que, vinda dos primeiros tempos do Cristianismo foi aprimorada por santos Papas — São Dâmazo, São Leão, São Gelásio, São Gregório — e restaurada por São Pio V.
[9] - Até aqui transcrição de trechos da conferência sobre “A Igreja e os Sacramentos”, feita por Monsenhor Ch. Guay, em 1907.
[10] - Ver, mais adiante, o artigo 05.
[11] - Estamos falando da “Missa de Sempre”, e, evidentemente, antes do Vaticano II.
[12] - Outros autores chamam de “artigo 7” e outros de “item 7”, sempre da “Institutio Generalis”.
[13] - Fim da transcrição de trecho do texto de Dom Antônio.
[14] - Reprodução, neste artigo 06, de mais um trecho do artigo do Padre Des Graviers.
[15] - O destaque é meu.
[16] - Os destaques são meus.
[17] - Os destaques são todos meus.
[18] - O artigo 7, em questão, totalmente herético, foi objeto de considerações dos Cardeais OTTAVIANI e BACCI, que o repudiaram em carta aberta dirigida ao Papa Paulo VI, e, por ordem desse Papa, foi então esse artigo modificado pela Congregação do Culto Divino.
[19] - Não é dito que se trata de uma presença REAL, FÍSICA, pois Nosso Senhor pode ser perpetuado também pela lembrança, pela comemoração de seus atos e pode estar presente espiritualmente.
[20] - Max Thurian é protestante, irmão e teólogo da comunidade ecumênica de Taizé, na França. Foi um dos “observadores não-católicos” presentes ao Concílio Vaticano II e também participou da Comissão encarregada da elaboração da Nova Missa. Em 1988, ou seja, no mesmo ano em que a Santa Sé excomungava os dois bispos tradicionalistas, foi sagrado sacerdote da Igreja Católica, pelo antigo arcebispo de Nápoles - Cardeal Ursi - sem que tivesse abjurado, antes ou depois, sua fé protestante.
[21] - Este acréscimo é meu.
[22] - No original consta “Praemium”; em latim seria “Prooemium”.
[23] - O artigo 5 citado é outro artigo da “Institutio Generalis; ver também o final do artigo 05 desta, que trata de “sacerdócio hierárquico”.
[24] Fim da transcrição de parte do artigo do Padre DES GRAVIERS.
[25] Os destaques são meus.
[26] Os destaques são meus.
[27] O destaque é meu.
[28] O destaque é meu.
[29] - Transcrevendo “La Documentation Catholique”, n.1085, de 3 de julho de 1983. Os destaques são meus.

A PROTESTANTIZAÇÃO DO CONCÍLIO VATICANO II

A PROTESTANTIZAÇÃO DO CONCÍLIO VATICANO II

Conferência do Sr. Padre Franz SCHMIDBERGER
no Simpósio de Teologia em Paris, outubro de 2005.


Nossa exposição divide-se em 4 partes:
1ª Resumo da posição protestante;
2ª Presença dos protestantes no Concílio Vaticano II;
3ª Influência protestante no espírito e nos documentos do Concílio;
4ª Escorço sobre o pós-Concílio e conclusão;


I. RESUMO DA POSIÇÃO PROTESTANTE

1. O ponto de partida do protestantismo, sua base filosófica e teológica, é sem dúvida a concepção de Lutero acerca do pecado e da justificação.

Para ele, corrompeu o pecado totalmente a natureza humana, não há sequer liberdade moral. Assim, nada encontra a graça de Deus que curar, transformar, divinizar, limitando-se tão-só a uma declaração exterior: Deus encobre o pecado com o manto dos méritos de seu Filho, não imputando-lhe de pecado, contudo o pecador conserva sua natureza corrompida.


2. De tal parecer do estado da natureza decaída, decorrem os 4 soli de Lutero:

a) Sola fide: salva-se o homem só pela fé; notem que, entre os reformadores, concebe-se a fé enquanto fé confiante nos méritos do Cristo Redentor, e não enquanto plena aceitação da Revelação de Deus sob impulso da graça. As boas obras – o jejum, a oração, a esmola, a penitência, a mortificação – não contribuem para a salvação, antes são sinais de fé. Exprime Lutero desta forma seu pensamento de modo categórico: “Peca fortemenTe e crê mais fortemente ainda, e tu serás salvo”.

b) Sola gratia: com sua natureza sem liberdade moral, o homem pe radicalmente incapaz de contribuir à salvação; Deus obra sozinho, o homem permanece passivo.

c) Solus Deus: opera Deus sozinho nossa salvação; não há mediação da Igreja, do magistério ou do sacerdócio, menos ainda intercessão dos santos, por exemplo o da Santíssima Virgem. Se o homem não diligencia para sua própria salvação, como poderia obrar para a do próximo?

d) Sola scriptura: porque é impossível um magistério que exponha a Revelação de Deus, não pode existir Tradição como fonte da Revelação; porque Deus faz tudo, ilumina diretamente a alma dos crentes para que possam compreender a Santa Escritura, que contém toda a Revelação.


3. Destes 4 soli decorre o sistema protestante:

a) A estrutura da Igreja: Não constitui um corpo vivo a dar a salvação às almas, mas não passa de um serviço de caridade cuja hierarquia dá ensanchas à uma democratização: todos somos povo de Deus, o sacerdócio ministerial absorve-se no sacerdócio geral dos fiéis.

b) A fé e seu conteúdo; axiomas filosóficos. A Igreja e os santos, em particular a Santíssima Virgem Maria, devem dar lugar a um falso cristocentrismo. Por um lado, cada fiel pode ler a Santa Escritura e interpretá-la sob inspiração do Espírito Santo; por outro lado, depara-se com uma multidão de diferentes confissões – a Igreja, enquanto única vida de salvação, há de ser substituida pela multidão das confissões e modalidades de fé, o magistério pelo trabalho dos teólogos, sob influxo da exegese liberal e da “Formengeschichte”.

Se não se encontra explícita na Santa Escritura uma tradição, ela não pode existir.

O livre exame deve substituir a lei da fé; força é abandonar a idéia do estado católico, pois que contradiz o livre arbítrio; decorre daí a exigência da liberdade religiosa.

A ordem objetiva cede lugar ao subjetivismo e ao individualismo, o bem comum à realização epssoal, i. é, ao personalismo.

A Igreja deve abandonar o poder temporal e a dominação; deve sobretudo abandonar o Estado Católico enquanto fato, pois que se opõe á propagação do protestantismo.

O laço harmonioso entre a natureza e a graça não se mantém. No protestantismo, existe uma oscilação entre, por um lado, o fideísmo (Karl Barth) e, por outro lado, o racionalismo (Bultmann) e o naturalismo com a laicisação da sociedade.

Há mister de abandonar a romanidade expressa na língua latina, o Romano Pontífice e a Cúria, orientando-se em direção a Igrejas nacionais.
Igualmente, há de se rejeitar a escolástica, sistema esclerosado oposto ao Evangelho vivo.

c) O culto: acento na palavra e na Eucaristia-refeição, abandono da idéia de sacrifício expiatório: a liturgia não é culto, é antes instrução e assunto de toda a comunidade.

Demais, há necessidade de retorno a formas de culto mais simples, abandonando o triunfalismo.


II. PRESENÇA DOS PROTESTANTES NO CONCÍLIO VATICANO II

Era da responsabilidade do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, sob o cardeal Bea, preparar os convites para o Concílio às “Igrejas” não católicas, comunidades eclesiásticas, observadores e delegados, enviando os convites em nome do Papa[1]. Encontravam-se na primeira sessão do Concílio os seguintes representantes do protestantismo:

- Comundiade anglicana: 3 representantes;
- Aliança Mundial Luterana: 3 representantes;
- Aliança Mundial da Igreja Reformada, Igreja Presbiteriana: 3 representantes;
- Igreja Evangélica Alemã: 1 representante;
- Convenção Mundial das Igrejas de Cristo: 1 representante;
- Friend’s World Committee for Consultation (Quakers) : 1 representante;
- International Congregation Council: 2 representantes;
- Conselho Mundial Metodista: 3 representantes;
- Conselho Ecumênico das Igrejas de Genebra: 1 representante;
- Associação Internacional para o Cristianismo Liberal e a Liberdade Religiosa: 2 representantes;

Demais, participaram outros convidados do Secretariado para a Unidade: Roger Schutz, prior da comundiade protestante de Taizé e seu confrade Max Thurian; o Pr. Cullmann, da Universidade de Bâle e de Paris; o Pr. Berghauer, da Universidade Protestante de Amsterdan. Em suma, um total de 23 representantes.

Na carta-convite definem-se os estatutos e os papéis na forma seguinte:

a) “Os observadores fornecessem às Igrejas separadas de Roma informações sobre o Concílio;
b) Eles podem participar das sessões públicas e das sessões gerais fechadas, nas quais se discutem os decretos do Concílio; não participam das sessões das Comissões, salvo em casos particulares e com permissão especial;
c) Não têm direito à palavra nem ao voto;
d) O Secretariado para a Unidade dos Cristãos serve de intermediário entre os organismos do Concílio e os observadores para transmitir a estes as informações necessárias, a fim de que possam com mais facilidade e eficácia acompanhar os trabalhos do Concílio. Demais, organiza as entrevistas com pessoas de escol, por exemplo os padres do Concílio acerca dos temas ali discutidos.

Temos agora a presença viva dos protestantes. Já estavam presentes no Concílio de forma indireta por meio dos padres e teólogos que sabiam há muito cooptados a suas idéias, representando-os mais ou menos abertamente: os cardeais Bea, König, Frings, Döpfner, Liénart, Alfrink; especialistas como Rahner, Hans Küng, Edouard Schillebeeckx, Congar.

Alguns trechos das obras de Congar servem-nos de prova[2]:

“Em Saulchoir, tinham interesse por Lutero, de forma bem diferente da de Denifle ou Grisar. Durante uma segunda estada na Alemanha, visitei os lugares marcantes do luteranismo, os quais me atraiam”. Devota grande admiração ao reformador: “Lutero é dos maiores gênios religiosos de toda a história. Ponho-lhe neste quesito no mesmo patamar de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino ou Pascal. De certo modo, é ele ainda maior. Repensou todo o cristianismo. Lutero fora um homem de Igreja.” Donde vem tal admiração por um homem cujo gênio era o de destruição? Vem de que Lutero “era incapaz de receber algo que não viesse de sua própria experiência.” [...]

Citemos ainda o cardeal Ratzinger, grande admirador de Karl Barth. Em 1986, numa carta à Theologische Quartalsschrift, Tübingen, escrevera isto:

“ [...] De várias maneiras, não se deve considerar um bem para a Igreja Católica, na Alemanha e fora dela, o fato de que a seus flancos existisse o protestantismo e sua liberdade e piedade, seus conflitos e a grande exigência espiritual? [3]

Anos mais tarde, ele concelebrará em Haburgo as vésperas com a Sra. Jespen, bispa protestante!


III. A INFLUÊNCIA DOS PROTESTANTES SOBRE O CONCÍLIO

Com tamanha presença de protestantes no Concílio – presenças direta e indireta – como espantar-se da influência sobre o Concílio e seus documentos? Citemos-lhe alguns para fundamentar a afirmação:

1. O decreto “Sacrosanctum Concilium” sobre liturgia

Já no artigo 5, encontramos a noção de mistério pascal, que põe a tônica da Redenção na Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e arrefece a realidade do sacrifício expiatório da liturgia.

No artigo 6, mencionam o mistério pascal duas vezes.

No artigo 7, equiparam a presença do Cristo na Santa Missa e na substância transubstanciada com a presença no ministro da ação litúrgica, na virtude dos sacramentos, na palavra, ou com a presença que há onde duas ou três pessoas estiverem reunidas em seu nome. Uma tal ordem de coisas é um empréstimo manifesto dos protestantes.

No artigo 22, há clara descentralização da competência, em matéria litúrgica: a partir de agora é o bispo local, e sobretudo a conferência episcopal as estâncias decisórias.

Nos artigos 24 e 51, fala-se da grande importância da Santa Escritura na liturgia.

Convida o artigo 34 à reforma dos ritos para que observem o esplendor em nobre simplicidade, e sejam limpos de repetições. Vemos aqui claramente a influência racionalista e antiliturgista – já que a liturgia vive de repetições, como vemos por exemplo nos ritos da Igreja do Oriente, nas ladainhas e no rosário.

Os de número 36 e 54 versam da introdução da língua vernacular na liturgia, sem dar os precisos limites para ela na Santa Missa.

No artigo 37, distinguimos já a inculturação e a presumida unidade na pluralidade litúrgica, logo um distanciamento da verdadeira unidade da Igreja e antes de tudo do espírito romano.

O artigo 47 não se vale, na designação do Santo Sacrifício da Missa, nem da noção de “representatio” do Concílio de Trento, nem da de “renovação” dos últimos Papas, mas antes de uma “duração”. Em linguagem ecumênica, o sacrifício e o sacramento são nomeados como um só.

Sugere o artigo 55 dar em certas ocasiões a Eucaristia sob as duas espécies, à moda dos protestantes.

O artigo 81 exige a supressão do sombrio pensamento acerca da morte, em favor de outras cores litúrgicas diferentes do negro. Ora, uma orientação que tal vai ao encontro do aplauso dos protestantes, que não conhecem nem purgatório, nem oração dos defuntos.

Num lanço d’olhos sobre tal esquema, constata-se o espírito racionalista, antilitúrgico e anti-romano, em tudo de mentalidade protestante.


2. A constituição dogmática sobre a Igreja “Lumen Gentium”

Para começar, diz o artigo 8 que a Igreja do Cristo “subsiste na Igreja Católica”, expressão nefasta e prenhe de conseqüências. Ora, é um pastor protestante, Schmitt, que propusera substituir o est de identificação entre a Igreja do Cristo e a Igreja Católica pela expressão relativista subsistit in.

No capítulo 2, artigos 4 a 16, fala-se, antes do mais, da Igreja enquanto povo de Deus, e tão-só no terceiro capítulo se fala da hierarquia, como se ela fosse o fruto da comunidade e um serviço para ela

No artigo 10, deduz-se do sacerdócio do Cristo o sacerdócio comum dos batizados, e apenas depois o sacerdócio ministerial.

No artigo 21, o sacramento da Ordem se não concebe desde o Santo Sacrifício da Missa, mas da prédica e da administração dos sacramentos.

O pior atentado contra o primado papal aparece no artigo 22, com a afirmação da dupla autoridade da Igreja: dum lado Pedro, doutro o colégio dos bispos com e sob Pedro. Felizmente, corrigiram este erro gravíssimo na “nota prævia explicativa” acrescentada ao texto mesmo do Concílio, mas nem o novo direito canônico, nem o catecismo da Igreja Católica e seu Compendium repisaram a nota.

Concede o artigo 26 o diaconato permanente a homens casados. Fendeu-se pois o bastião do celibato eclesiástico, que nos distingue visivelmente dos protestantes.

O inteiro teor do quarto capítulo, i. é, os artigos 30 a 38, versa dos laicos antes de mencionar os religiosos, de que tratam apenas no quinto capítulo. O protestantismo detesta a vida consagrada, em particular a vida contemplativa.

Aceitou o Concílio as graves restrições de Karl Rahner e dos senhores Raztzinger, Grillmeier e Semmelroth contra um esquema próprio sobre a Santíssima Virgem. As explicações acerca da Santíssima Virgem encontram-se agora no capítulo 8 da constituição sobre a Igreja, onde omite-se deliberadamente o título de “co-redentora”; não reconheceram ainda à Santíssima Virgem o de ‘mediadora”, cuja utilização apenas se menciona.


3. O decreto sobre o exumenismo “Unitatis redintegratio”.

A princípio, notemos que a noção de ecumenismo vem do protestantismo, em que se observa esforços ecumênicos já no séc. XIX para remediar sua dilaceração insolúvel.

Diz o artigo 3 que as comunidades separadas da Igreja Católica não estão em comunhão plena com a Igreja, mas intentam mesmo assim que exista uma como continuidade de comunhão, pois que os fiéis se justificam no batismo, incorporando-se ao Cristo. Por isso, diz o decreto, reconhecem-nos a justo título como irmãos no Senhor. Cabe a cada qual uma parcela de culpa na separação. A afirmação de que pertencem de jure à Igreja Católica os elementos de santificação nestas comunidades é uma melhoria inserida pelo Papa pouco antes da publicação do decreto.

No parágrafo 4º, diz-se que estas comunidades, enquanto tais, são meios de salvação, significando isso duas coisas:

1) elas são importantes para a salvação de seus membros;
2) em geral, possuem uma função soteriológico-histórica.

Essas afirmações relativistas estão entre as piores do Concílio como um todo.

No artigo 4 estatui-se que o trabalho ecumênico não se relaciona com o favorecimento das conversões individuais; encontra-se afirmação semelhante na Constituição sobre a Igreja, artigo 9, finis. Substituem assim a missão que legou Jesus Cristo pelo esforço de coexistência pacifica entre todas as denominações e religiões, à moda protestante.

O artigo 7 revela-nos que não há ecumenismo verdadeiro sem conversão interior, desta feita mistura-se ortodoxia e ortopraxia, o lado objetivo e o subjetivo.

O artigo 8 não só permite a oração em comum com os “irmãos separados”, mas a recomenda explicitamente, como testemunho qualificado dos laços existentes.

Exige o artigo 10 o ensinamento da teologia sob o ângulo ecumênico, em particular no que tange à história. Deste modo, a teologia controversista e apologética contra o protestantismo está condenada à morte.

No artigo 11 depara-se com a afirmação nefasta da hierarquia das verdades. É forçoso sublinhar que esta expressão ambígua clarificou-se em 1973, por obra do Santo Ofício, em sentido católico. Não quer ela dizer que uma verdade é mais importante que outra, mas que uma é base da outra.

Apesar de no artigo 21 apresentarem a Santa Escritura como instrumento excelente para o diálogo, há de se perguntar de que modo se deve conduzir este diálogo com os subjetivistas protestantes, em que cada um é seu próprio magistério. Demais, neste artigo conferiram ao magistério autêntico um papel restrito, não constituindo mais a norma para o cânon e a interpretação da Santa Escritura.

No artigo 22 atribui-se à ceia protestante, não obstante a ausência do sacramento da Ordem, um certo valor positivo.

É de se notar também que não tratam da questão dos casamentos mistos, deixando de ensinar aos católicos que tais matrimônios só se contraem perante um padre católico, que devem batizar os filhos na Igreja Católica e educá-los nesta fé.


4. A constituição dogmática sobre a Revelação Divina “Dei Verbum”

Esta constituição abandona a doutrina católica das duas fontes da Revelação, para aproximar-se do sola scriptura dos protestantes. Apresentam-nos de imediato no capítulo 1 a Revelação não mais como comunicação das verdades sobre Deus e suas intenções salvíficas, mas como auto-comunicação de Deus; nisto põem em evidência a passagem da perspectiva objetiva à perspectiva subjetiva.

No artigo 5, descrevem a fé como encontro pessoal com Deus, e dom do homem para com Ele; não se deveria mais considerar a tradição como complemento quantitativo e material da Escritura. Ela teria apenas uma dupla função de reconhecimento do teor do cânon e certidão da revelação. De modo ambíguo, não apresentam o magistério abaixo da palavra de Deus, senão que a seu serviço.

Reconhece-se fortemente no artigo 12 a exegese moderna com sua “Formengeschichte”, embebida no espírito protestante de Bultmann. Não mais se atribui à Santa Escritura a inerrância, mas só dizem que ela ensina a verdade.

O artigo 19 fala que os Evangelhos oferecem o veraz e o sincero – no texto originam, acrecentaram: “alimentados pela força criativa da comunidade primitiva”, suprimido após o protesto de muitos dos Padres do Concílio. Na 2ª frase deste artigo, assume o Concílio sem meias palavras a exegese moderna: os apóstolos pregavam uma compreensão mais plena do Cristo, os redatores dos Evangelhos “redigiram” o material desta prédica, i. é., material que eles selecionaram, resumiram e atualizaram.

No artigo 22, encorajam-se as traduções ecumênicas da Bíblia, traduções estas que, de fato, são as utilizadas hoje em dia. Todavia, há mister de se perguntar como, em textos que tais, se formula e comenta a Anunciação de Maria; o mesmo vale para os irmãos de Jesus, e para Mateus 16, 18[4].


5. A constituição pastoral “Gaudium et Spes”.

Dela só veremos acerca da inversão dos fins do casamento, nos números 49 e 50. As conferências episcopais da Alemanha e da Áustria declararam, à guisa de comentário, que é a consciência dos esposos que constitui a norma suprema, em vez de dizer que a norma suprema é a doutrina da Igreja, e a consciência pessoal só se pronuncia na aplicação.


6. O decreto acerca da responsabilidade pastoral dos bispos da Igreja “Christus Dominus”.

Atribui-se no artigo 38 à Conferência Episcopal, em todos os casos, um direito que é obrigação. Assim, abre-se a porta à democratização e à descentralização.


7. Decreto sbre o ministério e a vida dos padres “Presbyterorum ordinis”.

No artigo 2, dá-se a primazia, como na Lumen Gentium, ao sacerdócio dos batizados, e somente após ao sacerdócio ministerial, como se o segundo emanasse do primeiro – isso é idéia protestante.


8. O decreto sobre a formação dos padres “Optatam totius”

No artigo 15, dá-se férias à “philosophia perennis”. Nos estudos, o procedimento não seria mais o analítico, antes o sintético; tem-se em conta apenas a gênese dos diferentes sistemas. Vemos aqui na raiz a passagem da ontologia e da metafísica em direção ao empirismo e a história da filosofia.


9. A declaração sobre a liberdade religiosa “Dignitatis humanae”

Foi de grande interesse para os protestantes esta declaração, e isto sob duplo aspecto, enquanto princípio e fato:

a) enquanto princípio, substitui a ordem objetiva pela livre consciência;
b) enquanto fato, abole os Estados Católicos, que serviam de entrave à penetração das seitas protestantes. Assim, vê-se o Conselho Mundial Ecumênico das Igrejas Protestantes, em Genebra, dirigir-se à presidência do Concílio, em setembro de 1965, pouco antes da quarta e última sessão, para pedir com instância a proclamação da liberdade religiosa, o que se deu a 7 de setembro de 1965


IV. APRECIAÇÃO SOBRE A ATUAL SITUAÇÃO DA IGREJA

Uma influência tão maciça do protestantismo no Concílio só poderia resultar numa Igreja protestantizada.


1. A estrutura da Igreja

a) O poder central de Roma diminui consideravelmente, em favor das Conferências Episcopais, que cada vez mais se constituem em igrejas nacionais. O duplo poder da Igreja – por um lado o Papa, por outro os colégios de bispos com o Papa, como se depara na Lumen Gentium e na nota prævia explicativa, nota esta que evita o pior – reaparece nos cânones 336 (direito romano 1983), no Catecismo da Igreja Católica, nº 883, e no novo Compendium, questão nº 183.

Na encíclica Ut unum sit, de 25 de maio de 1995, o Papa João Paulo II diz o seguinte:

“ [...] O Espírito Santo nos dê a sua luz, e ilumine todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros”[5]. (DC 18 de junho de 1995 n° 2118, p. 593 § 95)

b) Por onde se verifique a democratização ad Igreja, a começar nas paróquias, pelos conselhos paroquiais, nas dioceses, e até nos sínodos de bispos em Roma. Existe, de feto, uma hierarquia paralela.

c) É obvio que os inovadores desprezam o monaquismo. Nos Estados Unidos, a vida religiosa está em vias de desaparecer completamente. A vida consagrada se encontra, onde ainda ela existe, distentida no exercício das obras sociais. Nas orações festivas dos fundadores das Ordens, no Novo Ordo, faz-se silêncio sistemático da glória do fundador e da graça da fundação.


2. A fé

a) Hoje em dia, a fé na unidade e no caráter absoluto da Igreja está, até entre católicos, posta em xeque ou negada.

b) Introduziu-se um subjetivismo malicioso, não apenas na consciência geral, mas até nas dos católicos. O cardeal Ratzinger, na homilia de abertura do conclave, a 18 de abril, falou da “tirania do relativismo”. Ora, o ecumenismo é justamente o relativismo religioso.

c) Caso todos os fiéis, pela graça do batismo, estejam unidos entre si, duma vez por todas, como afirma o Papa João Paulo II, então a graça é inalienável, o que equivale à uma heresia. Ora, encontramos hoje na Igreja tal otimismo salvífico, que esquece totalmente o julgamento de Deus e a possibilidade de danação.

d) Na declaração comum sobre a justificação, de 31 de outubro de 1999, pretende-se que o homem seja pecador e santo ao mesmo tempo. Só há como fundamentar tal concepção na noção protestante da justificação.

e) Certos membros da hierarquia sentem falta dum espírito de secularização. Não foi Lutero o primeiro representante deste espírito? por exemplo, no axioma: “o casamento é um fato puramente secular”.

f) Mais importa a veracidade, a sinceridade, que a verdade. Há pois uma passagem da ordem ontológica à ordem moral. O cânone 844 do novo direito canônico é um reflexo disso: para conferir os sacramentos da Penitência, Extrema-Unção, Eucaristia a não-católicos, basta a crença nestes sacramentos. Como a Penitência e a Extrema-Unção não interessam aos protestantes, basta-lhes acreditar na presença real para comungar conosco. Não se exige mais a fé de adesão à toda a Revelação, mas apenas a sinceridade duma fé subjetiva.

g) A harmonia entre a graça e a natureza por todo lado está corrompida, assim como a identidade entre Jesus de Nazaré e o Cristo da Fé. O protestantismo, sempre a oscilar entre o racionalismo e o fideísmo, nega – mormente seus teólogos – a divindade do Cristo. Para os fideístas, a religião não passa de sentimento que se diversifica em mil tipos de pentencostalismos. Nesta mesma ordem, o bem comum dá lugar à auto-realização.

h) Em espiritualidade, há um distanciamento notável do espírito de sacrifício, de penitência e de oração.

i) A devoção à Santíssima Virgem e os Santos está quase que completamente enquadrada do espírito moderno.


3. O culto

As três realidades ontologicamente ligadas entre si, a saber, o altar, o Sacrifício e o pader, são substituídas por três outras realidades também ligadas entre si: a mesa, a refeição, o presidente.

A primeira versão da definição da missa, no Novus Ordo Missae, definição em tudo protestante, encontra-se exatamente na mesma linha do nº 7 da Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Conclilium. Na nova liturgia, fala-se muito, mas os aspectos da oração, do sacrifício e do culto diminuíram deveras.


CONCLUSÃO

Segundo a enciclopédia do ano 2000, há atualmente no mundo 33.820 denominações protestantes diferentes. No fundo, teria de dizer que existem tantas denominações quantos protestantes, pois que cada qual é seu próprio magistério e pastor. Com o Concílio, e após ele, assumiu a Igreja de tal forma os postulados protestantes que ela mesma está quase a tomar o caminho da autodissolução. Que o Senhor da Igreja faça-nos a graça duma reforma rápida e enérgica, uma reforma in capite membris, conforme o exemplo do Concílio de Trento.

Dizia hà pouco um prelado da Cúria Romana que deste Concílio só uma coisa restava: uma grande confusão. O cardeal Stickler dizia-se que um dia seriam obrigados a fazer uma revisão do Concílio, e nossa Fraternidade poderia contribuir nela. Estes simpósios, organizados aqui em Paris, são uma magnífica ocasião de pôr mãos à obra.

Tradução: Permanência

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Notas:
[1] Como existissem milhares de Igrejas separadas pelo mundo, era impossível convidar cada uma delas a se fazer representar no Concílio. Resolveu o cardeal Bea entrar em contato com as comunidades mais numerosas e convidá-las a enviar delegações que pudessem representar as Igrejas filiadas.
O cardeal Bea instou o arcebismo da Cantuária a enviar uma delegação representando a Igreja Anglicana. Aceitaram o convite (cf. O Reno se lança no Tibre)
[2] Savoir et Servir n° 56, p. 98.
[3] Joseph, Cardinal Ratzinger, Œcuménisme et Politique, p. 189, éd. Fayard 1987.
[4] E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. [N. da P.]
[5] Tradução oficial do Vaticano [N. da P.]

Por que eu sou Católico?


Por que eu sou Católico?

G. K. Chesterton


A dificuldade em explicar “Por que eu sou Católico” é que há dez mil razões para isso, todas se resumindo a uma única: o catolicismo é verdadeiro. Eu poderia preencher todo o meu espaço com sentenças separadas, todas começando com as palavras, “É a única coisa que ...” Como, por exemplo, (1) É a única coisa que previne um pecado de se tornar um segredo. (2) É a única coisa em que o superior não pode ser superior; no sentido da arrogância e do desdém. (3) É a única coisa que liberta o homem da escravidão degradante de ser sempre criança. (4) É a única coisa que fala como se fosse a verdade; como se fosse um mensageiro real se recusando a alterar a verdadeira mensagem. (5) É o único tipo de cristianismo que realmente contém todo tipo de homem; mesmo o respeitável. (6) É a única grande tentativa de mudar o mundo desde dentro; usando a vontade e não as leis; etc.
Ou posso tratar o assunto de forma pessoal e descrever minha própria conversão; acontece que tenho uma forte impressão de que esse método faz a coisa parecer muito menor do que realmente é. Homens muito melhores, em muito maior número, se converteram a religiões muito piores. Preferiria tentar dizer, aqui, coisas a respeito da Igreja Católica que não se podem dizer mesmo sobre suas mais respeitáveis rivais. Em resumo, diria apenas que a Igreja Católica é católica. Preferiria tentar sugerir que ela não é somente maior que eu, mas maior que qualquer coisa no mundo; que ela é realmente maior que o mundo. Mas, como neste pequeno espaço, disponho apenas de uma pequena seção, abordarei sua função como guardiã da verdade.Outro dia, um conhecido escritor, muito bem informado em outros assuntos, disse que a Igreja Católica é uma eterna inimiga das novas idéias. Provavelmente não ocorreu a ele que sua própria observação não é exatamente uma nova idéia. É uma daquelas noções que os católicos têm de refutar continuamente, porque é uma idéia muito antiga. Na realidade, aqueles que reclamam que o catolicismo não diz nada novo, raramente pensam que seja necessário dizer alguma coisa nova sobre o catolicismo. De fato, o estudo real da História mostrará que isso é curiosamente contrário aos fatos. Na medida em que as idéias são realmente idéias, e na medida em que tais idéias são novas, os católicos têm sofrido continuamente por apoiarem-nas quando elas são realmente novas; quando elas eram muito novas para encontrar alguém que as apoiasse. O católico foi não só o pioneiro na área, mas o único; e até hoje não houve ninguém que compreendesse o que se tinha descoberto lá.
Assim, por exemplo, quase duzentos anos antes da Declaração de Independência e da Revolução Francesa, numa era devotada ao orgulho e ao louvor aos príncipes, o Cardeal Bellarmine e Suarez, o Espanhol, formularam lucidamente toda a teoria da democracia real. Mas naquela era do Direito Divino, eles somente produziram a impressão de serem jesuítas sofisticados e sanguinários, se insinuando com adagas para assassinarem os reis. Então, novamente, os casuístas das escolas católicas disseram tudo o que pode ser dito e que constam de nossas peças e romances atuais, duzentos anos antes de eles serem escritos. Eles disseram que há sim problemas de conduta moral, mas eles tiveram a infelicidade de dizê-lo muito cedo, cedo de dois séculos. Num tempo de extraordinário fanatismo e de uma vituperação livre e fácil, eles foram simplesmente chamados de mentirosos e trapaceiros por terem sido psicólogos antes da psicologia se tornar moda. Seria fácil dar inúmeros outros exemplos, e citar o caso de idéias que são ainda muito novas para serem compreendidas. Há passagens da Encíclica do Papa Leão sobre o trabalho [conhecida como Rerum Novarum, publicada em 1891] que somente agora estão começando a ser usadas como sugestões para movimentos sociais muito mais novos do que o socialismo. E quando o Sr. Belloc escreveu a respeito do Estado Servil, ele estava apresentando uma teoria econômica tão original que quase ninguém ainda percebeu do que se trata. E então, quando os católicos apresentam objeções, seu protesto será facilmente explicado pelo conhecido fato de que católicos nunca se preocupam com idéias novas.Contudo, o homem que fez essa observação sobre os católicos quis dizer algo; e é justo fazê-lo compreender muito mais claramente o que ele próprio disse. O que ele quis dizer é que, no mundo moderno, a Igreja Católica é, de fato, uma inimiga de muitas modas influentes; muitas delas ainda se dizem novas, apesar de algumas delas começarem a se tornar um pouco decadentes. Em outras palavras, na medida em que diz que a Igreja freqüentemente ataca o que o mundo, em cada era, apóia, ele está perfeitamente certo. A Igreja sempre se coloca contra a moda passageira do mundo; e ela tem experiência suficiente para saber quão rapidamente as modas passam. Mas para entender exatamente o que está envolvido, é necessário tomarmos um ponto de vista mais amplo e considerar a natureza última das idéias em questão, considerar, por assim dizer, a idéia da idéia.
Nove dentre dez do que chamamos novas idéias são simplesmente erros antigos. A Igreja Católica tem como uma de suas principais funções prevenir que os indivíduos comentam esses velhos erros; de cometê-los repetidamente, como eles fariam se deixados livres. A verdade sobre a atitude católica frente à heresia, ou como alguns diriam, frente à liberdade, pode ser mais bem expressa utilizando-se a metáfora de um mapa. A Igreja Católica possui uma espécie de mapa da mente que parece um labirinto, mas que é, de fato, um guia para o labirinto. Ele foi compilado a partir de um conhecimento que, mesmo se considerado humano, não tem nenhum paralelo humano.
Não há nenhum outro caso de uma instituição inteligente e contínua que tenha pensado sobre o pensamento por dois mil anos. Sua experiência cobre naturalmente quase todas as experiências; e especialmente quase todos os erros. O resultado é um mapa no qual todas as ruas sem saída e as estradas ruins estão claramente marcadas, todos os caminhos que se mostraram sem valor pela melhor de todas as evidências: a evidência daqueles que os percorreram.
Nesse mapa da mente, os erros são marcados como exceções. A maior parte dele consiste de playgrounds e alegres campos de caça, onde a mente pode ter tanta liberdade quanto queira; sem se esquecer de inúmeros campos de batalha intelectual em que a batalha está eternamente aberta e indefinida. Mas o mapa definitivamente se responsabiliza por fazer certas estradas se dirigirem ao nada ou à destruição, a um muro ou ao precipício. Assim, ele evita que os homens percam repetidamente seu tempo ou suas vidas em caminhos sabidamente fúteis ou desastrosos, e que podem atrair viajantes novamente no futuro. A Igreja se faz responsável por alertar seu povo contra eles; e disso a questão real depende. Ela dogmaticamente defende a humanidade de seus piores inimigos, daqueles grisalhos, horríveis e devoradores monstros dos velhos erros. Agora, todas essas falsas questões têm uma maneira de parecer novas em folha, especialmente para uma geração nova em folha. Suas primeiras afirmações soam inofensivas e plausíveis. Darei apenas dois exemplos. Soa inofensivo dizer, como muitos dos modernos dizem: “As ações só são erradas se são más para a sociedade.” Siga essa sugestão e, cedo ou tarde, você terá a desumanidade de uma colméia ou de uma cidade pagã, o estabelecimento da escravidão como o meio mais barato ou mais direto de produção, a tortura dos escravos pois, afinal, o indivíduo não é nada para o Estado, a declaração de que um homem inocente deve morrer pelo povo, como fizeram os assassinos de Cristo. Então, talvez, voltaremos às definições da Igreja Católica e descobriremos que a Igreja, ao mesmo tempo que diz que é nossa tarefa trabalhar para a sociedade, também diz outras coisas que proíbem a injustiça individual. Ou novamente, soa muito piedoso dizer, “Nosso conflito moral deve terminar com a vitória do espiritual sobre o material.” Siga essa sugestão e você terminará com a loucura dos maniqueus, dizendo que um suicídio é bom porque é um sacrifício, que a perversão sexual é boa porque não produz vida, que o demônio fez o sol e a lua porque eles são materiais. Então, você pode começar a adivinhar a razão de o cristianismo insistir que há espíritos maus e bons; e que a matéria também pode ser sagrada, como na Encarnação ou na Missa, no sacramento do casamento e na ressurreição da carne.Não há nenhuma outra mente institucional no mundo que está pronta a evitar que as mentes errem. O policial chega tarde, quando ele tentar evitar que os homens cometam erros. O médico chega tarde, pois ele apenas chega para examinar o louco, não para aconselhar o homem são a como não enlouquecer. E todas as outras seitas e escolas são inadequadas a esse propósito. E isso não é porque elas possam não conter uma verdade, mas precisamente porque cada uma delas contém uma verdade; e estão contentes por conter uma verdade. Nenhuma delas pretende conter a verdade. A Igreja não está simplesmente armada contra as heresias do passado ou mesmo do presente, mas igualmente contra aquelas do futuro, que podem estar em exata oposição com as do presente. O catolicismo não é ritualismo; ele poderá estar lutando, no futuro, contra algum tipo de exagero ritualístico supersticioso e idólatra. O catolicismo não é ascetismo; ele, repetidamente no passado, reprimiu os exageros fanáticos e cruéis do ascetismo. O catolicismo não é mero misticismo; ele está agora mesmo defendendo a razão humana contra o mero misticismo dos pragmatistas. Assim, quando o mundo era puritano, no século XVII, a Igreja era acusada de exagerar a caridade a ponto da sofisticação, por fazer tudo fácil pela negligência confessional. Agora que o mundo não é puritano mas pagão, é a Igreja que está protestando contra a negligência da vestimenta e das maneiras pagãs. Ela está fazendo o que os puritanos desejariam fazer, quando isso fosse realmente desejável. Com toda a probabilidade, o melhor do protestantismo somente sobreviverá no catolicismo; e, nesse sentido, todos os católicos serão ainda puritanos quando todos os puritanos forem pagãos.
Assim, por exemplo, o catolicismo, num sentido pouco compreendido, fica fora de uma briga como aquela do darwinismo em Dayton. Ele fica fora porque permanece, em tudo, em torno dela, como uma casa que abarca duas peças de mobília que não combinam. Não é nada sectário dizer que ele está antes, depois e além de todas as coisas, em todas as direções. Ele é imparcial na briga entre fundamentalistas e a teoria da Origem das Espécies, porque ele se funda numa origem anterior àquela Origem; porque ele é mais fundamental que o Fundamentalismo. Ele sabe de onde veio a Bíblia. Ele também sabe aonde vão as teorias da Evolução. Ele sabe que houve muitos outros evangelhos além dos Quatro Evangelhos e que eles foram eliminados somente pela autoridade da Igreja Católica. Ele sabe que há muitas outras teorias da evolução além da de Darwin; e que a última será muito provavelmente eliminada pela ciência mais recente. Ele não aceita, convencionalmente, as conclusões da ciência, pela simples razão de que a ciência ainda não chegou a uma conclusão. Concluir é se calar; e o homem de ciência dificilmente se calará. Ele não acredita, convencionalmente, no que a Bíblia diz, pela simples razão de que a Bíblia não diz nada. Você não pode colocar um livro no banco das testemunhas e perguntar o que ele quer dizer. A própria controvérsia fundamentalista se destrói a si mesma. A Bíblia por si mesma não pode ser a base do acordo quando ela é a causa do desacordo; não pode ser a base comum dos cristãos quando alguns a tomam alegoricamente e outros literalmente. O católico se refere a algo que pode dizer alguma coisa, para a mente viva, consistente e contínua da qual tenho falado; a mais alta consciência do homem guiado por Deus.
Cresce a cada momento, para nós, a necessidade moral por tal mente imortal. Devemos ter alguma coisa que suportará os quatro cantos do mundo, enquanto fazemos nossos experimentos sociais ou construímos nossas Utopias. Por exemplo, devemos ter um acordo final, pelo menos em nome do truísmo da irmandade dos homens, que resista a alguma reação da brutalidade humana. Nada é mais provável, no momento presente, que a corrupção do governo representativo solte os ricos de todas as amarras e que eles pisoteiem todas as tradições com o mero orgulho pagão. Devemos ter todos os truísmos, em todos os lugares, reconhecidos como verdadeiros. Devemos evitar a mera reação e a temerosa repetição de velhos erros. Devemos fazer o mundo intelectual seguro para a democracia. Mas na condição da moderna anarquia mental, nem um nem outro ideal está seguro. Tal como os protestantes recorreram à Bíblia contra os padres e não perceberam que a Bíblia também podia ser questionada, assim também os republicanos recorreram ao povo contra os reis e não perceberam que o povo também podia ser desafiado. Não há fim para a dissolução das idéias, para a destruição de todos os testes da verdade, situação tornada possível desde que os homens abandonaram a tentativa de manter uma Verdade central e civilizada, de conter todas as verdades e identificar e refutar todos os erros. Desde então, cada grupo tem tomado uma verdade por vez e gastado tempo em torná-la uma mentira. Não temos tido nada, exceto movimentos; ou em outras palavras, monomanias. Mas a Igreja não é um movimento e sim um lugar de encontro, um lugar de encontro para todas as verdades do mundo.

Fonte: Blog do Angueth; Tradução: Antônio Emílio Angueth de Araújo